el día que me quieras

não tenho tido paciência para explicar na internet que promover o ódio não é liberdade de expressão. que ódio não é opinião. opinião a gente tem sobre sorvete, absorvente, clima, pessoas sem distinção de classe, gênero, cor, orientação sexual – eu não gosto da Paula Fernandes, também não gosto do Ronaldo – mas o ódio, aaahhhh o ódio é um vetor mortal dirigido a alguns grupos e sabemos muito bem quem são estes alguns.

vocês acham mesmo que estas pessoas, defensoras da liberdade de opinião, estão preocupadas com o “estado democrático de direito”? mesmo? com “a aplicação efetiva das leis”, mesmo mesmo? com a “liberdade termina quando começa a do outro” mesmo mesmo mesmo?

estas pessoas não estão nem aí para nada. somente um susto, a morte do melhor amigo gay, a perda de um sobrinho trans ou negro poderá tocar estes nefastos corações. e olhe lá! alguns agradecem quando seus parentes problemáticos apagam a luz da própria vida.

eu tenho tido nojo sabe, nojo mesmo, de ter que explicar que promover o ódio não é opinião porque uma pessoa LGBT é morta a cada 28 horas, que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, que uma mulher é estuprada a cada quatro minutos por aqui, que a cada ano 5600 mulheres são assassinadas, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia, que  a violência policial aqui, amigo, é grotesca. mais de 2.200 pessoas foram mortas em operações policiais em todo o Brasil em 2013, uma média de 6 pessoas por dia. tá me entendendo? que tipo de pessoa ignora todos estes fatos em prol da sua própria “opinião”? gente morrendo e você quer falar de opinião, amigo?

mas sempre tem aquele amigo que diz, calma podia ser pior! não se trata de uma sublimação por possibilidade de pioramento. não se trata nadíssima disso. se trata se não poder comemorar o mínimo. quando aprovaram o aborto de anencéfalos não comemorei, “mas pode ampliar o debate sobre aborto no país” (aham, claudia), não comemorei não, é uma lei higienista, se o feto é considerado humano pela lei, então aceitamos matar um humano anencéfalo? obrigada por aprovar, mas não comemorarei isso não. também não pude comemorar a lei que proibia rodeios no Paraná, afinal, existem desembargadores caras de pau o suficiente para fazer descumprir a lei. também não pude comemorar sobre a proibição de sacrifício de animais em rituais religiosos. animais parando de morrer? lindo. mas não comemorei, é uma lei racista que nada se importa com os abatedouros. uma cambada de carnista hipócrita e racista filhos de uma marisa lobo. há mais, mas não comentarei para vocês não dizerem que eu sou tão pessimista.

voltando aos fatos, se estes dados não são suficientes, se ver gente morrendo, sendo assassinada de hora em hora não é motivo de mudança de pensamento não sei o que é. milhares de mortos pela ditadura e o que? pedir a volta da ditadura é opinião, senhor coronel?

não sei como explicar o extermínio, o ódio, a vontade de sangue e aniquilamento. não sei como explicar para a hipocrisia, para quem acha que cultura do estupro não é nada. para quem nunca se sentiu menor, com medo de morrer nas mãos do poder. do poder misógino, do poder jurídico, do poder médico, do poder policial, do poder familiar. medo de morrer mesmo, sabe qual?

eu não sei explicar a gravidade disso. Zitarrosa do exílio no México escrevia “una víctima, un jueves, un hombre torturado, un muerto inolvidable, una mujer violada, un asunto pendiente, o esgrimiendo un pecado hasta morir. Doy fe: mis versos no son nada”. é, minhas pequenas letrinhas não são nada mais ainda que as suas, caro Zita. tenho acreditado que só o choque da experiência pode mudar alguma coisa. causar, causar muita violência, muito medo, vômito, tanto desespero que faça o cidadão de bem surtar de agonia, desterritorializar a paz do sujeito cretino, no bolso, na casa, no escritório, na rua. na cama. tanto faz. um terrorismo galáctico do Hakim Bey. o medo e a paixão que incitava o corpo e a existência da drag mais importante dos trópicos,  Hija de Perra. pular catraca, andar pelado, parir crucifixos, roubar comida, sabe qual? talvez seja essa a única violência transformadora. porque amor sincero e preocupação sem interesses do cidadão de bem nunca haverá.

ó torturador, misógino, racista, coronel da moral, administrador de todo um genocídio, cidadão de bem com arma em casa, dona de casa que envenena os gatos, tio patriota que bate em mulher, adolescente farejador de ausência de masculinidade alheia, polícia do cu e da buceta, soldado fiel do só estava fazendo o meu trabalho, assassino de mulheres, assassino de mulheres, assassino de mulheres! tanta morte, tanto ódio, tanta morte… cuándo llegará el día que me quieras?

 carlos leppeCarlos Leppe – Copiar el Edén, 1981

Clara Cuevas, abril de 2015

Autor: cuevas

[...] cual casi todo perro popular, vagará por tus anchas veredas, tus milongas sangrantes, hasta morir también, tal vez un día de soledad y rabia, de ternura, o de algún violento amor; de amor... sin duda.

eu também vou reclamar: