a filosofia

o suicida é sempre um detentor, um doutor, um pedreiro, ele é um triunfante perdedor,  um pobre vencedor, um verdureiro. o suicida é sempre fatal, ele é quem leva tudo à morte, a morte nem se mexe, fica lá em seu cadeirão tecendo qualquer coisa. do caminho de casa para o trabalho ele morre oitenta e oito vezes, sua política é mortal, está sempre saltando elástico na espessura mínima da existência, ele recusa a vender sua vida, mas aluga se pagar bem, ou não também. ele acorda, ele levanta, ele deita, ele muda de posição pro sol não bater no rosto, ele caminha até o banheiro, seu café é de qualquer tipo, assim como sua sexualidade, ele anuncia todo dia um bom dia que não necessariamente será um dia bom, pela janela ele se defenestra duas vezes enquanto só passou pela porta. ele liga um ônibus, um carro, ele anda de bicicleta, ele é um motorista da própria vida, um condutor, dizem, que conduz. ele vai pro trabalho, ele faz QUALQUER coisa, ele enfeita as flores de uma coroa do funeral de uma pessoa qualquer, ele sorri recepcionista, procrastina no escritório da paciência, ele reprovou seis alunos nos últimos oito anos, ele tem umas cinco paixões mal curadas, sua vida é um próprio risco iminente, há de se estar morto para vivê-la. o suicida é principalmente um ator, um fingidor que “finge ser dor a dor que realmente sente” e ainda acha graça, ele é um herói, oras, ele é um herói de si mesmo, só um herói levanta  da cama todos os dias depois dos seis anos de idade. o suicida é principalmente alguém que vai pra casa, alguém que lembra que deixou o computador ligado, que não terminou o francês, o suicida é um fugidor da fila do supermercado, ele compra sempre a mesma margarina, a não ser que queira comer pão sem morte, ele é alguém que tem três tipos de doenças congênitas mas que nunca fará os exames que o condenariam, o suicida é, sem dúvida, aquele que beija a filha, que olha atento pela janela tentando ouvir o fuxico dos vizinhos, ele é alguém que morre todos os dias, em cada café, em cada orgasmo, uma pequena morte. o suicida é aquele que não sente falta das células que morrem e se renovam todos os dias e que formam, neste circo de movimentos, seu corpo. o suicida come rolmops, o suicida não é um conservador, ele é, antes de mais nada, aquele que te cumprimenta num domingo a tarde, ele é alguém que ajuda, ele é alguém que vota errado, que sabe que política adoece, azeda e faz mal. ele toca flauta com a coluna vertebral de cada um de seus antepassados (e depois joga fora), ele é alguém que, sem sombra de dúvidas, duvida e se jogará fora em uma aposta, ele é alguém que canta, que se abstém da própria vida, ele é aquele que pediu benção pra mãe, que vê televisão aberta entediado, ele é aquele que foi no show dos titãs em 1986, ele é quem se recusa, mas consente, ele é aquele que tem as mãos mais macias e a voz mais doce, às vezes grave, às vezes vazio, ele é aquele vizinho querido, aquela menina que nossa não acredito, mas ela nunca demonstrou nada, é aquele homem que numa terça-feira desceu a calçada, que lembrou de um certo coração partido, ele é aquele que foi promovido, que começou tímido um certo otimismo, ele é aquele que ia no cinema na estreia, mas não apareceu porque no justo momento em que exerceu seu passo adiante para a vida, qualquer coisa em sua mão ou em sua vontade incessante encostou suas entranhas pelo avesso e fez BUUMMM!

Clara Cuevas, outubro de 2012

Autor: cuevas

[...] cual casi todo perro popular, vagará por tus anchas veredas, tus milongas sangrantes, hasta morir también, tal vez un día de soledad y rabia, de ternura, o de algún violento amor; de amor... sin duda.

eu também vou reclamar: